quarta-feira, 12 de maio de 2010
Zéperri, na ilha
Exupéry sobrevoa a fila.
Ressuscitado pelo vórtice de suas hélices, que fizeram girar, também, a espiral do tempo, o lendário piloto aproou seu Bréguet-16 da Latécoère no rumo da pista do Hercílio Luz, 80 anos depois do seu último pouso, na campina alta do vizinho Campeche.
O avião era o mesmo com o qual Mermoz consumou a primeira travessia comercial do Atlântico Sul, com a inscrição ufanista na fuselagem:
C’est à la France que le monde doit ses ailes. (É à França que o mundo deve suas asas).
À França e a Santos Dumont, mas vá lá: os pioneiros do “Correio Sul” fizeram um belo trabalho, vindo das areias de Agadir, Dacar e Casablanca até as nevascas de Punta Arenas e Comodoro Rivadavia – com Floripa de bela escala.
O primeiro choque foi ter sobrevoado o “novo Campeche”, uma espécie de Marrakesh em dia de feira. E espantar-se, como Henry James ao retornar a Nova York, depois de 20 anos na Inglaterra:
– O que fizeram com esta Ilha?
Sorte ter reencontrado o espectro do amigo, “seu” Deca, no barracão do acanhado aeroporto. Não muito maior que o antigo galpão da velha Air France:
– E aí, amigo velho, vamos pescar uma “cocorroca” (o erre dobrado, como bom francês), um “parrgo”, um “parru”?
“Seu” Deca foi obrigado a admitir ao amigo Zéperri que, agora, não era mais pescador, a fúria imobiliária assustara até os “biacu”, dava graças a Deus de ter agora o emprego de fantaima numa pousada ali perto da Avenida Pequeno Príncipe.
– O mô amigo agora virô nome di rua!
Saint-Ex gostou de saber da homenagem e convidou o velho companheiro para um voo no segundo assento da carlinga.
Sobrevoaram a Baía Sul ao largo da Via Expressa, o centro “irreconhecível” da cidade, o retorno beirando o mar, mas pelo leste.
– Ainda existe “le Café Nationale” ? – quis saber o escritor, lembrando-se do seu encontro com o professor, humanista e francófilo Mâncio Costa.
– Não! – esclareceu o Deca. O velho Café Nacional agora é uma farmácia...
– La cité est malade...
O aviador Antoine não demorou a concluir que existem hoje duas Florianópolis. Aquela que se vê do alto e que ainda o emociona, e a que se materializa aqui embaixo, no duro chão da realidade.
Produto de Deus, a que se enxerga do céu continua a encantar a retina do homem. O autor de Voo Noturno e Correio Sul seguiu o tapete dourado das dunas, através do Santinho, da Galheta, da Mole, Joaquina e Lagoa, até chegar de novo ao Campeche, para um sobrevoo ao antigo campo de aviação. Foi então que o aviador percebeu a imensa fila de veículos no Trevo da Seta...
– O que é “aquilo” ? – espantou-se, interrogando o Deca com o auxílio de sua sobrancelha.
O velho pescador rebateu, de bate-pronto:
– É jogo do Avaí...
Esclarecida a questão, Saint-Ex empolgou-se ao saber que os “azurras” envergavam uniforme parecido com os dos “Les Bleus”, heróis da Copa de 1998. Se desse tempo, até gostaria de cumprimentar “le capitain Rafael”, o bicampeão, como se ele fosse o próprio Zidane.
Mas estranhou:
– Quer dizer que, quando tem jogo de futebol, os aviões não pousam?
– Pousam. Mas os carros não andam.
Seduzido pela hipótese de ir ao jogo desse seu time “do Campeche”, Saint-Ex brincou:
– O gramado é ótimo. Não dá pra pousar no campo?
Daria. Mas “seu” Deca, que sabia das novidades, informou:
– Parece qui agorinha mermo assinaru um papeli pra duplicá a estradinha. A senadora Ideli, o mané vice-prefeito, Jotabê, mais o Avaí do “seu” Zunino se arrenegaro e vão construí uma pista nova ali no ladinho!
Ah, mo deugi! Será que a turma do “contra” vai deixar?
O romântico aviador volta em março de 2011, na esperança de assistir a um jogo. Sem fila.
(autor: Sérgio da Costa Ramos)
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